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domingo, 27 de dezembro de 2015

2021 (Conto)

Galera, há algum tempo planejava fazer isso mas só comecei agora. Vou colocar aqui vários contos que tenho escrito nos últimos anos. Quem sabe um dia eu os publique num volume. Eles não estão relacionados entre si nem nem com as séries A Casa na Árvore. Confere aí e comenta o que achou.

2021 / Dois mil e vinte e um
SE você está lendo isso, provavelmente eu já estou morto. Mas o fato é que não sou o único. Mas me fascino com a perspectiva de alguém conseguir ler isso. Saber da sua existência é algo... impressionante. Nasci em 21 de novembro de 1991, no Brasil. Tive uma boa infância, sem muitas preocupações. Mas tudo mudou em 2015. Foi quando comecei a prestar atenção às notícias. Eu não era cientista, nem historiador, nem astrônomo, mas me interessava por essa última ciência por hobby. Naquele ano, sondas espaciais chegaram aos planetas anões Ceres e Plutão. Me senti como se estivesse vendo à chegado do Homem à Lua! A população brasileira já havia ultrapassado 200 milhões de habitantes nesse ano, mas nenhuma colônia espacial foi estabelecida na Lua, nem havia humanos em Mercúrio. Digo isso porque foram fatos marcantes bem repercutidos na mídia naquela época. Eu esperava que, pelo menos, estivéssemos andando em skates flutuantes, mas o que ocorreu não foi tão imprevisível assim. Lembro-me de quando, na minha juventude, se falava do fim do mundo. Nunca acreditei naquelas datas, mas percebi para onde a humanidade estava indo. Eu chamava de “suicídio coletivo”. Não fazia ideia de como estava certo. Mas isso não importa nada agora. Há dois anos não vejo nenhum humano – nem mesmo zumbi, como acontecia em alguns filmes da minha adolescência. Nesse ano, a ONU não conseguiu impedir uma guerra no Oriente Médio. Em pouco tempo, muitas nações se envolveram. Mas os que foram para o campo de batalha não suspeitavam que algo ainda maior estava por vir. Em poucas semanas, um vírus desconhecido, pior que as gripes da época e o Ebola, se espalhou pelo hemisfério norte quase simultaneamente, deixando a comunidade médica e científica perplexos com a inutilidade de seus conhecimentos face à tão misteriosa ameaça, já que nem conseguiam descobrir de onde ele havia surgido para se espalhar. Alguns diziam que foi uma estratégica militar, mas o fato é que milhões de pessoas morreram, bem mais do que as que morreram pelas explosões nucleares de 2016.

Em 9 de maio desse ano, ninguém pôde se preocupar muito com o trânsito de Mercúrio entre a Terra e Sol, embora isso demorasse 16 anos para se repetir. Os Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no Rio de Janeiro, inéditos na América do Sul, foi um caos. Diversas manifestações pelas ruas foram abafadas pelas autoridades. Mesmo com a crise política e econômica que ressurgira há alguns meses, a TV Digital foi definitivamente adotada em todo o Brasil. Pudemos ver em alta resolução a devastação das secas e enchentes cada vez mais potentes pela nação, incomparavelmente piores do que as do ano anterior. Não houve muito que o governo pudesse fazer a respeito, já que tivemos muitos gastos na guerra. Mas o mundo inteiro estava nessa crise, mesmo as nações mais afastadas. Porém, a economia mundial começou gradativamente a crescer com o imensurável despojo que os governos mundiais repartiram entre si, saqueados das extintas religiões, agora definitivamente banidas pela ONU sob a acusação de incitarem a desunião, preconceito, fanatismo e terrorismo. Mais protestos, mais abafamentos humanos. Houve boatos de que a religião voltaria a “dominar o mundo” como na Idade Média, fazendo me perguntar qual religião seria forte o suficiente para isso. Mas o mundo estava enfraquecido demais com a guerra, fome, corrupção e desastres ambientais para pensar a respeito. Nunca fui muito religioso. Eu achava que havia religiões demais no mundo. Nessa época, vi um cara correndo por mim gritando que o ‘Dia do Juízo estava chegando’ e que ‘todos seríamos torrados’. Mas os governantes mundiais viram a decadência moral cada vez mais intensa, aumentando o caos pelas cidades cada vez mais desertas de um planeta cada vez mais desabitado. As nações fingiam confiarem umas às outras, mas nenhuma queria dormir enquanto a outra estivesse acordada. Mesmo com as riquezas, elas não conseguiram se reerguer, lançando o mundo em mais uma batalha mundial, bem no ano do centenário da Revolução Russa.
Em 2017, ninguém se importou com a entrada duma sonda em Saturno, após 13 anos de espera, mas os sobreviventes não puderam desperceber os estranhos incidentes resultantes dos três eclipses que ocorreram nesse ano. Muitos se mataram. Em parte, por tentarem lutar por seus direitos. Forças armadas eram impotentes contra a insanidade mundial. Houve um número alarmante de casos de depressão e diversos outros transtornos mentais, num incontrolável surto epidêmico. Outras, sem tratamento, morreram de câncer, depressão, e doenças respiratórias decorrentes de gases letais. Grupos racistas surgiram em toda parte. Cidades costeiras por todo o mundo sofreram inundação com o rápido derretimento de geleiras polares, ao passo que muitos mares e águas doces secaram quase instantaneamente. Finalmente, o mundo inteiro (os humanos restantes) se conscientizou disso. Não era preciso formatura em meteorologia para notar as mudanças no padrão dos ventos e o aumento na frequência e na intensidade das ondas de calor e frio extremos.
O aumento de calor oceânico elevou o nível dos mares, devido à expansão térmica. Era inegável o adiantamento da ocorrência de eventos associados à primavera, como as cheias de rios e lagos decorrentes de degelo, brotamento de plantas e migrações de animais.
A decadência agrícola, em parte decorrente do desequilíbrio nas cadeias alimentares dos ecossistemas, gerou mais fome e pobreza, não só para a humanidade, mas principalmente para a fauna e flora, extremamente arruinada. Alimentos contaminados só eram descobertos tarde demais. O calor insuportável atingiu os países tropicais, gerando cada vez mais queimadas. Humanos passaram a saquear semelhantes por todo o globo, após arruinarem as instituições financeiras. Bom, pelo menos, nessas condições, já não havia uma desigualdade social tão acentuada.
O aquecimento global aumentou os problemas de saúde relacionados ao estresse térmico no trabalho, reduzindo a capacidade de operários da construção civil, agricultores, esportistas e outros que trabalhavam com atividades físicas intensas a céu aberto, e matando muitos outros aos poucos com crises cardíacas, cãibras, desconforto, desidratação e exaustão, entre outros. As regiões tropicais foram as mais afetadas, com grande repercussão social e econômica, afetando atividades como o turismo, o lazer e programas escolares.
Em 2018, a internet foi extinta com a destruição dos seus meios de acesso, ao mesmo tempo em que outros meios de comunicação. O que ocorreu depois disso é lenda. Em minha fuga sem rumo, sem mantimentos, nem remédios, nem esperança, passei por cidades abandonadas, por desertos e locais alagados.
Um pouco antes, fiquei atordoado ao saber de tantas espécies de animais de lugares quentes irem em direção aos polos ou a lugares de altitude e temperatura mais elevadas. Os que sobreviveram; porque muitas espécies, especialmente marítimas, foram tão superexploradas que se esgotaram. Também houve uma mudança na ocorrência geográfica de muitas espécies vegetais. Cadeias alimentares se romperam a ponto dos ecossistemas entrarem num colapso irreversível.
Achei irônico que a humanidade quisesse explorar outros planetas, mas não tivesse dado conta nem do próprio lar. Imagino se teria sido isso o que acontece com todas as civilizações. Talvez, todas se aniquilem antes de fazerem contato com outras. Por isso nunca encontramos vida fora da Terra. Quanto a mim, meus suprimentos finais já estão acabando. É difícil estocar certos alimentos e adquirir medicamentos. A caça está cada vez mais escassa, e não sei mais onde acharei água quanto minhas fontes secarem. Nesses dois anos de solidão, consegui achar até graça de quando a gente se preocupava com a superpopulação. Que irônico. Não precisávamos nos preocupar tanto – os milhares de armas nucleares resolveram isso facilmente. Fico me perguntando se ainda há outras pessoas pelo mundo. Mas, se houver mesmo, será que nos ajudaríamos? Penso nisso quando deixo meus rastros para trás. E fico atento. Já que a poluição parou, quem sabe o planeta volte a se reerguer. Mas será que teremos aprendido algo? Acho que nunca saberei.
Sou apenas um humano, afinal.

2 comentários:

  1. Olá, tudo bem?
    Acabei de conhecer o seu blog através de um blog amigo.
    Parabéns, ele é ótimo e estou seguindo. Me segue também?
    Desejo que você tenha um ano abençoado
    com muita paz, saúde e sucesso!!!

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  2. Doido, maluco achei que estava mesmo numa overdose de uma distopia alucinante no absinto translúcido da hermenêutica paradoxal. Kkkkk.
    Brincadeira. Kkkkk. Ótimo conto. Parabéns pela linguagem. Me lembra Sherlock Homes.

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Angel Lyla